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Luto na literatura: Morre Ferreira Gullar, aos 86 anos


Ontem, na manhã de domingo, 4 de dezembro, o Brasil e o mundo fora acordado com mais uma triste notícia. O grande escritor, poeta e teatrólogo, José Ribamar Ferreira, mais conhecido como Ferreira Gullar, deixara a literatura e uma legião de admiradores órfãos.

O Blog Amantes Literários ciente da sua importância e contribuição para o mundo, tentará neste singelo post homenagear aquele que revolucionou a literatura brasileira.

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Ferreira Gullar, cujo nome verdadeiro é José de Ribamar Ferreira, nasceu em São Luís do Maranhão em 10 de setembro de 1930, numa família de classe média pobre. Dividiu os anos da infância entre a escola e a vida de rua, jogando bola e pescando no Rio Bacanga. Considera que viveu numa espécie de paraíso tropical e, quando chegou à adolescência, ficou chocado em ter de tornar-se adulto, e tornou-se poeta.

No começo, acreditava que todos os poetas já haviam morrido e somente depois descobriu que havia muitos deles em sua própria cidade, a algumas quadras de sua casa. Com 18 anos, passou a frequentar os bares da Praça João Lisboa e o Grêmio Lítero-Recreativo, onde, aos domingos, havia leitura de poemas.

Descobriu a poesia moderna apenas aos 19 anos, ao ler os poemas de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Ficou escandalizado com esse tipo de poesia e tratou de informar-se, lendo ensaios sobre a nova poesia.

Pouco depois, aderiu a ela e adotou uma atitude totalmente oposta à que tinha anteriormente, tornando-se um poeta experimental radical, que tinha como lema uma frase de Gauguin: “Quando eu aprender a pintar com a mão direita, passarei a pintar com a esquerda, e quando aprender a pintar com a esquerda, passarei a pintar com os pés”.

Ou seja, nada de fórmulas: o poema teria que ser inventado a cada momento. “Eu queria que a própria linguagem fosse inventada a cada poema”, diria ele mais tarde. Assim nasceu o livro que o lançaria no cenário literário do país em 1954: A Luta Corporal.

Os últimos poemas deste livro resultam de uma implosão da linguagem poética e provocariam o surgimento na literatura brasileira da “poesia concreta”, de que Gullar foi um dos participantes e, em seguida dissidente, passando a integrar um grupo de artistas plásticos e poetas do Rio de Janeiro: o grupo neoconcreto.

O movimento neoconcreto surgiu em 1959, com um manifesto escrito por Gullar, seguido da teoria do não-objeto. Esses dois textos fazem hoje parte da história da arte brasileira, pelo que trouxeram de original e revolucionário. São expressões da arte neoconcreta as obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica, hoje nomes mundialmente conhecidos.

Experiências:

Gullar levou suas experiências poéticas ao limite da expressão, criando o Livro-Poema e, depois, o Poema Espacial, e, finalmente, o Poema Enterrado. Este consiste em uma sala no subsolo a que se tem acesso por uma escada; após penetrar no poema, deparamo-nos com um cubo vermelho; ao levantarmos este cubo, encontramos outro, verde, e sob este ainda outro, branco, que tem escrito numa das faces a palavra “rejuvenesça”.

O poema enterrado foi a última obra neoconcreta de Gullar, que afastou-se do grupo e integrou-se na luta política revolucionária. Entrou para o Partido Comunista e passou a escrever poemas sobre política e participar da luta contra a ditadura militar que havia se implantado no país, em 1964. Foi processado e preso na Vila Militar. Mais tarde, teve de abandonar a vida legal, passar à clandestinidade e, depois, ao exílio. Deixou clandestinamente o país e foi para Moscou, depois para Santiago do Chile, Lima e Buenos Aires.

Voltou para o Brasil em 1977, quando foi preso e torturado. Libertado por pressão internacional, voltou a trabalhar na imprensa do Rio de Janeiro e, depois, como roteirista de televisão.

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Ferreira Gullar, em 2015: ''A poesia,

como vejo, nasce do espanto''

Em entrevista ao ‘Estado’, em 2015, Ferreira Gullar se dizia perseguido pela poesia – e não o contrário. Ele não precisava buscá-la. Ela simplesmente vinha. De "moleque que vivia jogando futebol nas ruas de São Luís", como ele dizia, a poeta.

Em setembro de 2015, Gullar conversou com o Ubiratan Brasil, editor do ‘Caderno 2’, sobre o Autobiografia Poética e Outros Ensaios (Autêntica), livro no qual ele reunia entrevistas, artigos e um ensaio inédito. Nele, descobria-se que Gullar também era cronista, crítico, pintor. Todas os ofícios, contudo, garantiam-lhe a sobrevivência.

Na criação de poemas, Gullar se sentia livre.

Leia, abaixo, a entrevista publicada no dia 2 de setembro de 2015:

*Como foi refletir sobre a sua história de poeta?

Jamais imaginei que me tornaria um poeta. Eu era um moleque de rua. Vivia jogando pelada, em São Luís, na rua. Jamais pensei porque na minha casa ninguém era poeta nem tinha livro de poesia. Acredito que as pessoas nascem com determinadas qualidades. O cara nasce com a tendência de ser um bom administrador. Assim como outro nasce jogador de futebol, pois traz internamente algumas qualidades que o tornam isso. Há também quem tenha tendência para ser ladrão, independentemente de ser rico ou pobre – a Operação Lava Jato não me deixa mentir.

*Esse DNA parece estar mais presente em você. Se pudesse viver só de poesia, faria isso?

Não. A poesia é algo incontrolável. Se alguém vive de poesia, ou morre de fome ou começa a escrever bobagens porque não é fácil assim. A poesia, como vejo, nasce do espanto, de alguma coisa que surpreende e que você tem necessidade de comunicar aos outros. É uma experiência de vida especial, não acontece todo dia. Isso é o que move o poeta a escrever. Sem isso, é possível até manusear bem as palavras, mas o poema fica vazio. É meu caso. Outro dia, disseram que eu garanti que não mais escreveria poesia. Nunca fiz isso. Algumas vezes, a poesia se arrancou, se negou a comparecer e fiquei perplexo, mas reconheci que parecia que não mais escreveria. Publiquei meu último livro há vários anos (Em Alguma Parte Alguma, de 2010), o que me deu a impressão de que não vou escrever mais. Claro que não é bom. Não é escolha minha. Mas as coisas não são eternas e, como isso não se controla, não digo que farei de qualquer jeito, ou que não vou fazer. Só constato que faz tempo que não faço.

*É admirável seu rigor com a palavra. Como conjuga a emoção de fazer o poema e ele comover ao mesmo tempo?

Acredito que, se me comovo, outros também vão se comover. Passo no poema a emoção que tive. Às vezes, a situação é mais complicada e o poema saía menos acessível, dependendo do motivo que me levou a escrever. Minha preocupação é chegar a dizer aquilo que foi novo na vida, que experimentei ali, e encontrar a melhor maneira de expressar. O acaso é decisivo não só na vida pessoal, mas também na arte. Quando vou escrever um poema, a folha surge em branco, ainda não sei o que vai surgir ali. Qualquer coisa pode acontecer, a probabilidade é total porque a página está em branco. Quando coloco a primeira palavra, reduz a probabilidade, agora já não é o acaso. Quando se escreve o primeiro, o segundo verso, aí o poema vai deixando de ser fruto da probabilidade e do acaso e vai se tornando necessário. Ele próprio começa a determinar o que entra ali ou não. Você não sabe o que vai resultar daquilo. É um jogo entre acaso e necessidade. Cada poeta tem seu modo de se expressar. Com isso, aumenta a segurança de se expressar. E, com a experiência, é possível se tornar mais capaz de expressar o que se deseja.

*Seu momento de vida é sempre importante na sua criação. Poema Sujo nasceu durante uma fase muito difícil de sua vida, de quase desespero – seria uma catarse?

Há quem acredite que os poetas sofrem muito para escrever. Não é verdade – no momento da escrita, surge uma felicidade. Escrever é uma alquimia, pois transformo sofrimento em alegria, em beleza, em emoção que o outro vai sentir. No Poema Sujo, eu realmente vivia um impasse, pois não sabia o que ia acontecer comigo. Eu já tinha saído da ditadura chilena e, na Argentina, preparavam outro golpe. Não tinha para onde ir porque em volta só havia ditaduras e, como meu passaporte estava vencido, não conseguia ir para a Europa. Tentei renovar na embaixada brasileira, mas me foi negado e ainda cancelaram o que eu tinha. Então, escrevi o Poema Sujo como se fosse a última coisa da minha vida, daí essa relação de emoções: eu estava no limite. Isso ninguém inventa. Eu preferia não ter vivido daquela forma, mas a vida é incontrolável. A situação era insuportável, mas o fato de eu ser capaz de expressar aquele impasse me ajudava. O pior é aquele que não consegue se expressar.

*Como é sua relação hoje com Poema Sujo?

Não releio, mas essa Autobiografia Poética foi o caminho que encontrei para voltar àqueles momentos, desde quando publiquei A Luta Corporal, em 1954, quando descobri a poesia moderna, até Poema Sujo e outros poemas. Eu queria reviver aqueles momentos sem o sofrimento daquela época, sem um general na esquina para me fuzilar.

*O Poema Sujo ainda é capaz de chocar as pessoas?

Acho que emociona. Claudia (Ahimsa, sua companheira, que conheceu em 1994) soube que foi criada uma banda de rock chamada Poema Sujo. Isso é legal, pois expressa a vida e beleza dentro do sofrimento. Cada qual tem suas perdas. Então, quando a pessoa se defronta com um poema que a comove é como se ela estivesse vivendo isso. É o melhor da literatura: compartilhar com o autor o sofrimento, mas de forma sensorial. É a tal alquimia: transformar sofrimento em alegria estética.

*Como surgiu o título do Poema Sujo? Até parece uma contradição...

Nasceu de imediato, praticamente junto com o poema. Às vezes, escrevo um poema e não sei o título. No caso do Poema Sujo, eu não só tinha o título como sabia que teria de 70 a 100 páginas. Escolhi esse título porque sabia que ia falar de assuntos sofridos, de pobreza, que foi minha experiência de vida. Ele é sujo ao mesmo tempo que é poesia e tenta superar o sujo da vida, trazendo impregnada essa experiência. Eu não aceitava estar longe do Brasil, havia pessoas dispostas a passar anos na Europa, mas não era o meu caso – eu queria voltar a todo custo. Assim que pude, voltei, mesmo correndo riscos. Aí entra o Poema Sujo, que foi trazido ao Brasil pelo Vinicius de Moraes. A publicação me deu uma notoriedade que, praticamente, impedia qualquer ação dos militares contra mim. Quando cheguei ao aeroporto do Rio, havia uma ordem de prisão para José de Ribamar Ferreira, mas havia uma multidão me esperando e não puderam fazer nada. Ou melhor: me prenderam no dia seguinte, mas logo fui solto.

*Como a poesia ocupa hoje a vida das pessoas?

Dizem que a arte revela a vida. Penso o contrário: a arte inventa a vida. Hamlet só existe na peça de Shakespeare. E existe porque, quando leio, ele renasce, alguma coisa é acrescentada. A Noite Estrelada, de Van Gogh, é uma noite a mais que ele acrescentou às milhares de noites que existem no universo. A poesia não é cotidiana, com assistir à televisão. Rubem Fonseca me disse, certa vez, que lemos um romance e esquecemos, enquanto a poesia sempre volta. Ninguém precisa ficar lendo a poesia todo dia. Mas, quando releio Elliot, Rilke, Drummond, me parece que estou lendo pela primeira vez, com prazer da descoberta.

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- Confiram alguns poemas do Ferreira Gullar:

Não há vagas

O preço do feijão não cabe no poema. O preço do arroz não cabe no poema. Não cabem no poema o gás a luz o telefone a sonegação do leite da carne do açúcar do pão O funcionário público não cabe no poema com seu salário de fome sua vida fechada em arquivos. Como não cabe no poema o operário que esmerila seu dia de aço e carvão nas oficinas escuras – porque o poema, senhores, está fechado: “não há vagas” Só cabe no poema o homem sem estômago a mulher de nuvens a fruta sem preço O poema, senhores, não fede nem cheira.

Traduzir-se

Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira. Uma parte de mim almoça e janta: outra parte se espanta. Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente. Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem. Traduzir-se uma parte na outra parte – que é uma questão de vida ou morte – será arte?

No corpo

De que vale tentar reconstruir com palavras O que o verão levou Entre nuvens e risos Junto com o jornal velho pelos ares O sonho na boca, o incêndio na cama, o apelo da noite Agora são apenas esta contração (este clarão) do maxilar dentro do rosto. A poesia é o presente.

Aprendizado

Do mesmo modo que te abriste à alegria abre-te agora ao sofrimento que é fruto dela e seu avesso ardente.

Do mesmo modo que da alegria foste ao fundo e te perdeste nela e te achaste nessa perda deixa que a dor se exerça agora sem mentiras nem desculpas e em tua carne vaporize toda ilusão

que a vida só consome o que a alimenta.

Subversiva

A poesia Quando chega Não respeita nada. Nem pai nem mãe. Quando ela chega De qualquer de seus abismos Desconhece o Estado e a Sociedade Civil Infringe o Código de Águas Relincha Como puta Nova Em frente ao Palácio da Alvorada. E só depois Reconsidera: beija Nos olhos os que ganham mal Embala no colo Os que têm sede de felicidade E de justiça. E promete incendiar o país.

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Bom, essa foi somente uma dentre muitas homenagens feitas para o Ferreira Gullar.

O que tiro de conclusão depois das pesquisas que realizei para fazer esse post é que...

Ferreira Gullar é eterno!

BIBLIOGRAFIA:

http://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2016-12/morre-no-rio-o-poeta-e-escritor-ferreira-gullar

http://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,ferreira-gullar-em-2015-a-poesia-como-vejo-nasce-do-espanto,10000092465

http://escolaeducacao.com.br/melhores-poemas-de-ferreira-gullar/

Destaque
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